Cara de puta

17.12.16 -

Jô, eu vi sua entrevista com a Jout Jout. Claro, logicamente mais por ela que por você, admito. Tenho que fazer outra confissão, porém: cara de puta, talvez eu tenha. Sabe como é isso? É, logicamente não: você é homem, branco, afortunado, morador de Higienópolis, figura conhecida. Já eu, essa mocinha grandona demais cuja bunda chama mais atenção que o corte novo de cabelo, posso te assegurar que na visão da maioria dos caras, qualquer garota fortemente maquiada será considerada vulgar. Biscate. Vadia. Puta.

Ainda ontem, peguei um táxi para voltar um bar da Av. São Luís. Moro na Rua da Consolação, o que deve dar uns dez minutos dentro do carro. Com duas amigas. Cumpliciei o taxista abordar duas garotas, da minha idade ou mais novas, numa esquina. A cara de tesão, as palavras de baixo jargão que usou, o desprezo delas pelo rapaz e a falta de respeito com as passageiras, nós. Me calei? Não, para variar. Para ele, elas estão lá porque gostam. Porque falta vergonha na cara. Porque poderiam se aquietar com pai e mãe num emprego meia boca, mas escolhem a madrugada, as ruas, os decotes e o nojo de caras como ele. Nenhuma delas me pareceu ter a feição de quem ama a profissão - e ainda que tivesse, que tenho eu a ver com isso?

Às vezes, caminho pela Augusta com medo. A chave entre os dedos, a bolsa agarrada no corpo, um casaquinho que tape o quadril muito largo. Com o cabelo compridíssimo era pior: já loira, já corpulenta, já adoradora de roupas que chamem a atenção, achava que o comprimento longo reforçava a ideia de sensualidade na cabeça dos homens. Erro - ou ingenuidade - meu: ainda que ame meu corte médio, acima do ombro, sigo com cara de vagabunda para entregadores de bicicleta, executivos da firma e novinhos do ensino médio. E olha, Jô: eu raramente estou com olhos delineados, blush e batom vermelho, ainda que a cor seja a minha queridinha.

Ainda que goste muito de sexo, ainda que chame atenção, ainda que sensualize e esboce tesões que não sinta: quem ousaria olhar bem na minha fuça e dizer "essa aí ganha dinheiro transando"? Caso algum desaforado tente, dará com a cara no chão - além de ser contratada por uma grande empresa, trabalho com a escrita e comunicação. Rosto de piranha algum impediu que ficasse com a vaga, aliás. A única cara de puta que sei ter é a que faço propositalmente, para ver se repilo desagradáveis sussurros nojetos e olhadas capazes de sugar a alma. Dessa eu sinto é orgulho.


Vamos combinar que "cara de puta" é um conceito misógino e que esse reforço de estereótipo não é engraçado?
Posted by Empodere Duas Mulheres on Sexta, 13 de novembro de 2015

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